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Teresina, Piauí, Brazil
Ah! Meu coração é mole/ Feito língua de moça./ Prefiro a calma a usar a força,/ Que carne de gado criado em morro é muito é ruim:/ Dura danada.// No bombardeio ergo sempre a bandeira branca,/ Cor que cedo não quero em minha trança,/ Mesmo que digam que é experiência.// Antes mesmo de tantos lamas e Ghandi,/ Foi que se inventou a calma dos monges./ Apesar dos últimos incidentes no Tibete. - Tapuia. Mestre em Letras/Linguística pela UFPI. Professor. Arre(medo) de poeta. Artista (de)plástico nas horas vá(ri/g)as. Aquele que nasceu no rio.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

All secho


O pé-de-cachorro entre Fulano e Sicrano

A confusão começou assim.
O Sicrano tinha uma dívida lá no bar do Fulano. E o Fulano deixava a dívida pendurada lá no alpendre, pra todo mundo ver. Por causa disso, já tinha entre os dois um certo nhenhenhém, e eles não se cheiravam de jeito nenhum.
Mas o caldo engrossou mesmo foi porque, quando deu um dia, o Sicrano, querendo bem dar água aos bodes, foi inventar de passar defronte o istabilicimento do Fulano.
Nesse mesmo momento – com a budega cheia de gente, inclusive o Beltrano, caboco aumentador de conversa que era danado–, o Fulano ia saindo pro terraço pra bater as botas, que já eram velhas, cheias de lama seca de tanto já ter caminhado. Vendo o seu desafeto passar com a maior cara de santa-feme, Fulano, de lá mesmo, pegou ar e, enfezado, jogou uma pilera, grande, no Sicrano.
Moço, por um fiapin vei de nada, mas foi pelo peido duma gata mermo, a pilera num pegou bem no cachaço do Sicrano. Se ele não tivesse tirado o corpo do ponto, a história já ia ter que acabar aqui mesmo.
Mas Sicrano foi sabido, deu com o corpo de revestrés e, querendo pagar na mesma moeda, caçou, e achou bem ali de junto dele, um palavrão desaforado, e mandou de lá pra cá.
O palavrão vei certin no rumo, e foi bater justo e abotoado foi nas pontas do dono do buteco. O Fulano ficou muito injuriado:
-- Um porra daquele ainda ter coragem de amarar os bodes na frente do meu bar. Corno era ele.
Aí o negócio fedeu.
Os dois ingancharo os bigodes de vez. Se engalfinharam. E, vendo que a coisa mudou de cor, não teve quem se intrometesse. Por isso mermo foi que Seu Ninga foi tentar separar.
A briga tava era feia. Ainda mais quando, tomando forgo por um instante, o Fulano ofendeu o Sicrano, dizendo que todo mundo sabia que o caba não gostava de feme.
Rapaz, foi na mesma da hora que Sicrano mudou de pau pra cacete, e o Fulano, para não ficar pra trás, correu a mão numa pedra. Aí mermo, meu amigo, foi que Seu Ninga teve a coragem de desfazer o bafafá.
Depois do acunticido, no frigir dos ovos, o resultado da pendenga num pudia ser outro: naquele mermo dia, o Sicrano deu água aos bodes, e o Fulano bateu as botas mais cum poca.

Teresina, 29 de maio de 2009.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

O matuto e o banheiro dendicasa

I
Mas tinha e tem tanta terra
A rica dona Milu
Que as hectare de cabeça ela erra
E de cabo a rabo as sua terra
O caba oiando só vê lá longe o azul.
E é terra de muito valor
Herdada de gunvernador
Lá pras banda da zona Sul.

Mas num tô lhe dizendo, rapaz,
Que só outra coisa ela tinha mais,
E eu vou dizer pro sinhor:
Sô, eu nunca pensei e nem vi,
Pelos anos que vivi,
Aquele tanto de morador.

Começando no beiço do rii,
Lá pras banda do pé de piqui,
E trevessando a pista inda tinha,
No rumo da igrejinha,
Na bêra da lagoa e inredor do pé de cajá
Era agregado pra danar,
Que até grupo escolar lá tinha.

E se de família política ela era
E querendo “limpar” sua propriedade
Propôs um dia uma idéia “sincera”,
E “boa” pra toda a comunidade:

Construir uma vila pra juntar todo morador
Numa “bela e acessível região”.
E assim, nessa livre e espontânea pressão,
Foi que a construção começou.

Chegou agrimensor e topógrafo.
“Topófo? Ô caba do nome fei!
Mas é nome de profissão ou de batismo?”
“Cumpade, aí eu num sei.
Sei que de ingeiero a urêa
Lá da cidade foi muita gente que vei”.

E limparam o pedacim vei de chão.
E marcaram terreno por terreno.
E era uns pedacim vei tão piqueno
Que sendo redondo era um botão.

Óia! Pensaro que eu ia falar fiofó. Não.
Que pode ter moça lendo
E lá do céu tão me vendo
E Deus me livre excomunhão.
Assim nem a conversa tando boa
É melhor deixar de loa
E voltar pra construção.

Sim! Fizero os buraco no chão,
Infiaro barro, massa e peda.
Carro-de-mão dizendo “Disarreda!”
E foi se mudificano a região.

Rapaz, a ligereza tão grande que era
Que quando o mestre dizia “Rumbora!”
Um égua gritava “Açulera!”
E um puxa saco “Cuma é?!
Vocês num sabe que A Muié
Quer derrubar, logo, toda tapera?”.

II
E quando tava as obra nessas altura
O matuto chegou mei-dia da roça,
E de casa viu a vila tomando figura,
Que, cum dinheiro, a coisa se esboça,
E se tacou pra lá aquele criatura,
Por que matuto num pode ver muvimento,
Vê mermo se tem cabimento,
Que logo se alvoroça.

Era tão grande aquela correria,
Num tem conde um caba em três se disdobra?
Rum, num era só isso, não.
Lá curria tanto pião,
Que quando ele chegou na obra,
Era que nem trânsto de catita que via.
E, intrapaiando, pegou a tar vendo tudo,
Ispiou que um dos quarto era miúdo
E quis saber sua sirventia.

“E esse quartim aqui,
Que é miúdo que só?
Se for pra ser o paió
Num cabe nada de ligume.
Se for pussive lhe peço:
Num tem um maior que me arrume,
Pra mode butar também bregueço?”.

“Vá me disculpando, seu moço,
Que bosta nenhuma apita um pedreiro,
E é por isso que esse puder eu num tenho,
Que essas casinha tudo têm o mermo desenho.
Só se o sinhor falar cum doutor ingenheiro,

Mas quero dizer primeiro
Que esse quartim isquisito,
Miúdo que só piriquito,
É na verdade o banheiro.”

Quando o operário lhe disse
Que ali seria o banheiro,
O matuto disse “Vixe!
Se isso é lugar de caguero.

Me admira um doutor,
Esse tal de arquiteto,
Um homi demais sabedor!
Que vi dizer ser tão isperto,
Desenhar uma porquêra dessa.
Pois o senhor que lhe peça
Tirar dessa casa o cagador.

Tô vendo que o fim do mundo num demora!”
E sem ainda tá acreditando,
O matuto continuava, intiriço, budejando
“Tá vendo essa esculhambação agora?

Dizer um negoço desse pra mim
Se eu num sô nem passarim
Pra cagar no mermo canto que dorme.
Intão vá no doutor e informe
Que cagar no mermo lugar que a gente mora
Só tando dento duma gaiola.
Nem se eu tivesse bêbo me cagando em butiquim!.

Uma porquêra dessa eu num uso.
Onde diabo que eu vou me misturar cum merda!
Que quem caga sem sair da casa é buso,
Que mermo sendo uma criatura lerda
Quando dá vontade de cagar
Num inventa uma porquêra assim,
Caga mas sai do camim
Mermo sendo divagar”.


III
Sentado na sombra dum pé de pau
Tava o doutor ingenheiro
Que ouvindo aquele cunverseiro
Foi disfazer o jirau.

“Não se preocupe, meu senhor,
Que o que está chamando de cagador
Não vem a ser nem uma sentina
Com uma porta apenas de cortina
Ou um banheiro sem ralo sinfonado.
Este banheiro nada contamina
Não tem nada de latrina,
Fique o senhor sossegado”.

“Assussegar que nada!
Que a verdadeira cagada
A gente dá é no mato.
Mermo tendo o carrapato,
E tendo o tempo da mutuca
Ou uma porca véa caduca
Que apareça pra chafurdar,
Num ixiste lugar mió de cagar
Que num seja uma ponta de mato”.

“Entendo sua desconfiança, então,
Por se tratar de algo desconhecido
Mas o vaso tem sifão
Não precisa ficar aborrecido
E quando usá-lo uma vez
Esse comentário que fez
Logo será esquecido”.

“Horre diabo de sifão!
Que eu nunca nem vi falar.
Mas num quero saber, não,
Pra mode nem baldiar.
Como é que pode ser
O mermo lugar de comer
De dormir e de beber
Tá dijunto donde cagar?”

“Mesmo sem querer saber
Insisto em explicar para você
O que vem a ser sifão
Querendo o senhor ou não:


Trata-se de uma espécie de barreira
Contra o mau cheiro exalado
Que mesmo estando com caganeira,
Me desculpe o termo empregado,
O senhor não sentirá nenhum mau cheiro
Depois que sair do banheiro.

E ainda garanto para o senhor,
Não é necessário que tema
Fique mesmo sossegado,
Que por meio deste sistema
O gás fétido, seja qual for,
Não importa o tipo do fedor,
Do bom cheiro fica sempre separado”.

“Num pense que sô mané-minha-égua
Cuma muito desses fela-da-mãe.
E digo ainda pro sinhor, aí cum sua régua,
Nem que mil casas dessa eu gãi,
Eu é que nunca vou aceitar,
Purque num lugar de cagar
Eu também num tomo bãi.
Na cidade o povo aprende de um tudo
Mas me admira a pessoa com tanto istudo
Inventar uma porquera desse tamãi?”


IV
E foi assim que se passou
A estória desse matuto
Que sendo bom vivedor
Num deixou de ser astuto:

Fingiu que tudo aceitou,
Sem ter outro canto pra morar!
Mas por não deixar caroço em angu
E que nunca fez cocô
Só faz mesmo é cagar
Lá, nas terras da dona Milu.